São Tomé e Príncipe: "As pessoas vão para o mar e regressam sem peixe"
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Na semana passada, o governo São-Tomense anunciou a intenção de criar zonas marinhas protegidas, no intuito de fazer face ao aumento da pesca desregulada, fenómeno que associado às mudanças climáticas tem contribuído para a redução do pescado no mar são-tomense.
Com o apoio de vários parceiros, nomeadamente Portugal, o país tem vindo a reforçar a sua capacidade de fiscalização marinha, sendo que o outro pendente da sua estratégia se relaciona com a protecção marinha e a possibilidade de o país regenerar os seus recursos haliêuticos.
Neste âmbito, desde 2018, um conjunto de ONGs activas na área da protecção do meio ambiente, nomeadamente a 'Oikos', a 'Fauna e Flora Internacional', a 'Fundação Príncipe' e a 'Marapa' têm efectuado um trabalho de campo juntamente com os actores do sector, os pescadores e as palaiês, as vendedoras ambulantes de peixe, no sentido de definir áreas a serem protegidas e modos alternativos de complementar os rendimentos da pesca.
Ao cabo de quase cinco anos de trabalho, foi elaborada com o governo uma proposta para a criação de seis áreas protegidas na ilha do Príncipe e de duas na ilha de São Tomé. Esta proposta que foi apresentada na semana passada deve ser objecto de um decreto, o país devendo em breve dotar-se daquelas que serão as suas primeiras áreas marinhas protegidas.
Ao falar da importância destas medidas, Albertino Santos, técnico responsável por este projecto no seio da ONG 'Marapa', começa por esboçar o panorama que vive actualmente o país em termos de falta de pescado.
"Temos uma plataforma que é bastante pequena e que também não tem grandes quantidades e a pesca é diária em São Tomé e Príncipe. Diariamente se pesca com artes boas e com artes nocivas. Por exemplo, nós temos aqui as redes de cerco que, pelas características da rede e pela maneira como é utilizada, chegamos a capturar peixes ainda antes do tamanho de desova. Este processo não é bom, não é saudável para o mar. Depois, se calhar há também a má influência das mudanças climáticas. Também já se nota alguma alteração do clima e logicamente também do mar. Mas o que se nota mesmo no mercado, é que os pescadores e as palaiês reclamam a diminuição da pesca", começa por referir o perito ao admitir que o desconhecimento da lei em matéria de pesca também tem algum impacto nesta situação em que "as pessoas vão para o mar e regressam sem peixe".
Ao referir-se ao longo processo de discussão com as comunidades, os pescadores e as comerciantes de peixe, Albertino Santos refere que se optou por criar duas zonas protegidas em vez das oito inicialmente encaradas na ilha de São Tomé, sendo que na ilha do Príncipe, é ponderada a criação de seis zonas marinhas protegidas de pequenas dimensões.
"No processo de consulta junto aos pescadores e às autoridades, havíamos identificado oito pontos diferentes que poderiam constituir áreas de interesse para a criação de áreas marinhas protegidas. Após alguma reflexão justamente das partes todas, concluiu-se que criar oito áreas marinhas em São Tomé de repente, seria muito exaustivo e exigiria muito financiamento. Então, houve um comité que decidiu criar inicialmente duas áreas marinhas protegidas experimentais, uma nos arredores de Santana, perto do 'Clube Santana' e há outra na zona sul que abarca Malanza, Porto Alegre, Jalé e o Ilhéu das Rolas. Essas áreas marinhas vão ter duas componentes: uma componente que é a chamada 'zona limitada' à pesca, onde nada poderá ser realizado e a outro 'zona de pesca sustentável', onde haverá regras" para continuar a pescar, refere o biólogo.
Este processo inédito em São Tomé e Príncipe acontece num contexto em que ainda há muito trabalho de sensibilização por fazer junto da população do país e junto dos actores do sector, considera o técnico.
"Os pescadores e as palaiês estão bem, não todos, mas a maioria está sensibilizada relativamente à diminuição dos recursos que lhes permitem ganhar a vida do dia-a-dia. Portanto, haverá todo um trabalho a ser feito assim que tivermos o decreto. Vamos iniciar um 'trabalho de casa' junto a todas as autoridades, junto às comunidades, usando todos os meios de comunicação possíveis para fazer este trabalho de casa que vai levar tempo. Nós temos, por exemplo, a lei das tartarugas marinhas que levou tempo e, mesmo assim, ainda há pessoas que continuam a comer tartarugas marinhas, mas reduziu bastante. É um processo de longa data. A mudança de mentalidades, sobretudo quando é cultural, é algo que leva tempo. Se calhar, a nova geração tomará a rédeas disto", conclui Albertino Santos.