Com incerteza de eleitores até à última, Portugal é "um barril de pólvora e prestes a rebentar"

Com incerteza de eleitores até à última, Portugal é "um barril de pólvora e prestes a rebentar"

RFI Português
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A uma semana das eleições antecipadas em Portugal, a direita está à frente nas sondagens, mas o número de indecisos tem aumentado com muitos portugueses a escolherem só no último momento em quem vão votar. Esta indefinição política acontece numa altura em que as dificuldades sociais estão a aumentar e podem gerar uma onda de insatisfação face ao próximo Governo.

Portugal vai a votos no próximo dia 10 de Março, após um escândalo de corrupção ter motivado o fim do Governo socialista que até aí detinha a maioria absoluta. A RFI esteve em Portugal para discutir com analistas, académicos e activistas a importância destas eleições, que podem triplicar o número de deputados de extrema direita na Assembleia da República numa altura em que os portugueses sofrem com as consequências dos aumentos do custo de vida.

Actualmente, as sondagens dão a AD, a coligação pré-eleitoral de direita que junta Partido Social Democrata, o CDS e o Partido Popular Monárquico, como possível vencedor, mas sem maioria absoluta. O que deixa no ar a questão de um possível entendimento com o Chega, partido de direita radical, como explica André Freire, professor Catedrático em Ciência Política do Iscte - Instituto Universitário de Lisboa.

"A maior probabilidade é que haja uma maioria de direita. Aritmeticamente, o Chega faz maioria. De acordo com as sondagens como elas estão hoje, haveria uma maioria de direita, mas só seria possível com o Chega. Eu acho que o Chega também subiu muito a parada. Queria ir para o Governo. Agora diz que já não quer ir para o governo, mas quer fazer uma aliança de governo, que é uma coisa um bocadinho estranha, porque se não está no governo, faz uma aliança parlamentar, que foi o que houve de 2015 a 2019. Mas pronto, não seria inédito, porque em vários países, por essa Europa fora, tem havido inclusão da direita radical em soluções de direita, não é? O problema do Chega também é porque ele é um partido muito recente, é um partido muito centrado no seu líder e é muito volátil. Eu acho que é pouco fiável porque diz uma coisa, diz outra, depois faz umas propostas que quer dizer para agradar a toda a gente. Propostas que são irrealizáveis", disse o investigador.

Mas quem são os eleitores que votam no Chega? Ricardo Ferreira Reis, diretor do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (CESOP) da Universidade Católica Portuguesa, tenta caracteriza-los.

"Há uma falta de hábito em Portugal em relação aos discursos populistas de extrema direita e, portanto, isso causa-nos mais estranheza do que os discursos populistas de outras áreas. Eu não falaria de uma necessidade da existência ou de uma lacuna da existência desse tipo de solução neste contexto. Mas eu definiria o eleitorado desses partidos, em particular o do Chega em torno de três grupos: um grupo core que ideologicamente é saudosista no sentido de voltar para um regime mais autoritário, que é bastante reduzido. Ou seja, em Portugal não há um saudosismo de antigo regime com grande expressão. Depois há um grupo que é muito maior, que se mobiliza em torno do carisma do líder. Depois há um terceiro grupo anti-sistema que está cansado dos escândalos judiciais e daquilo que foi acontecendo. Diria que há uns tempos quando me perguntavam quanto é que eu acharia que aquele partido valeria e eu não o colocaria no patamar que tem agora. Colocaria para aí uns três ou quatro pontos abaixo dos 14% ou 12%. E depois fui dizendo, isto em Novembro, à medida que houver escândalos, vai haver dois pontos por cada escândalo. E o que nós tivemos, de facto, foram três ou quatro escândalos fortes desde então, a começar logo pelo primeiro que demitiu o primeiro-ministro. Depois outro associado ao Presidente da República, depois aquilo na Madeira e isso foi somando pontos de insatisfação com o sistema e com a corrupção", afirmou Ricardo Ferreira Reis.

Já o Partido Socialista, que perdeu a maioria absoluta devido ao escândalo da Operação Influencer que levou à demissão de António Costa e consequente queda do seu Governo, parece mais longe de uma vitória e, mesmo que ganhe, não repetirá a maioria tendo de entrar em acordos parlamentares à esquerda. Nos dois cenários, com vitória à esquerda e à direita, pode estar a abrir-se uma fase de governos mais curtos como explica André Freire.

"O histórico de alianças entre o PS e o PSD, formais ou informais, é que são governos de curta duração. Mas também não sei o que é que iria ser um Governo com o Chega. Portanto, para já, o líder do PSD já disse que não quer uma coligação com o Chega, porque depois também é uma linguagem muito truculenta. É um nível que não estávamos habituados à política portuguesa e, apesar de tudo, era um bocadinho mais moderado", declarou André Freire.

Após uma série de debates nas televisões portuguesas e após a primeira semana de campanha, o que é mais preocupa os portugueses nesta eleição? Ricardo Ferreira Reis responde.

"Há gente a medir a reacção das pessoas a debates e, portanto, quais são os temas que mobilizaram mais as pessoas e, aparentemente, é a saúde e a habitação. São os dois temas que neste momento estão a concentrar mais a atenção dos eleitores em termos de procura de soluções. Mas há um conjunto de outros temas que são críticos no contexto em que nós estamos, designadamente a educação, onde nós continuamos a ter problemas sérios de turmas na escola pública que não tem professores", indicou Ricardo Ferreira Reis.

A maior oferta partidária, mas também fenómenos com a covid, as crises internacionais e a instabilidade política dos últimos meses estão a adiar a escolha definitiva dos portugueses nestas eleições, levando a que muitos decidam à última da hora, engrossando assim o número de indecisos mesmo na última semana de campanha, como mostram as sondagens da Universidade Católica.

"Aquilo que nós temos notado nas últimas eleições, desde o covid, desde o António Costa, desde um conjunto de alterações políticas que nós temos tido, é uma indefinição, um comportamento dos indecisos, que acaba por ser diferente daqueles que estão decididos antecipadamente. O que antigamente não acontecia. Como as pessoas que estavam indecisas depois acabavam por decidir de forma idêntica aos decididos. Havia pouca alteração nas últimas duas semanas de resultados", disse o director do CESOP.

Independentemente de quem ganhe as eleições, as preocupações dos portugueses vão continuar, com André Freire a estimar que caso o nível de vida não melhore, as manifestações no país vão continuar.

"Se for reconduzido o Partido Socialista como partido mais votado e fizer maioria com as esquerdas, ele não vai ter o que nós chamamos o período de estado de graça. Não vai ter porque já vai ser o quarto governo numa linha, portanto ele não vai ter isso. E aí pode haver essa contestação social se for à direita. O Montenegro e, eventualmente a AD enfim, logo se vê. Se for à direita, aí eu acho que vai haver um período de estado de graça, porque também não pode ser responsabilizado pelos problemas com as coisas que estão a correr mal naquela altura. Agora, realmente há muitos problemas acumulados. Há problemas com a habitação, que em parte tem a ver com o regime, fiscais que favorecem muito a vinda de estrangeiros que têm muito dinheiro. Não são os imigrantes que vêm aqui trabalhar. Não é isso. São as pessoas que têm muito dinheiro têm salários melhores em França, nos Estados Unidos, na Escandinávia. Tem havido aumentos de salários, mas eles vão muito abaixo do crescimento dos preços. Portanto, você compra menos coisas. E é por isso é que houve a explosão com os professores. É por isso que houve a explosão com os médicos, que, apesar de tudo, tiveram um ganho de causa. Agora, os polícias. Tem sido uma perda de poder de compra muito grande. Portanto, há um barril de pólvora e prestes a rebentar", concluiu André Freire.