Dois anos da invasão russa na Ucrânia: a guerra onde todos perdem e cujo futuro está nas mãos do Congresso dos EUA
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O professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Marketing e Propaganda (ESPM) de São Paulo, Günther Redzit, faz um balanço dos dois anos do conflito que ele classifica como "nova Guerra Fria". Uma guerra onde todos saem perdendo -"menos a Índia" - e cujo desenrolar dependerá exclusivamente, em sua opinião, da ajuda militar que será ou não finalmente aprovada pelo Congresso americano.
Para o especialista, trata-se hoje em dia de um clássico conflito perde-perde, onde não há vencedores, mas a reinvenção de uma nova disputa - ideológica, estratégica e comercial - da qual nenhuma das partes envolvidas abre mão. "O mundo praticamente inteiro perdeu nesses dois anos de guerra. Sem dúvida alguma, a Ucrânia é o país que mais perdeu. Agora está ficando claro que é praticamente impossível ela conseguir recuperar os territórios ocupados", analisa o Günther Redzit.
Exército russo perdeu aura de invencibilidade"Fora a quantidade de jovens mortos, a infraestrutura destruída, a Rússia também perdeu porque quebrou essa aura de Forças Armadas de primeira linha. Os exercícios militares Vostok de 2018 tinham dado a impressão de que o Exército russo tinha se equiparado às forças americanas em qualidade. Mas como ela não conseguiu então derrotar um inimigo muito menor e muito mais fraco?", questiona o especialista.
Até a China saiu perdendo"[A Rússia] Perdeu essa aura também porque hoje é completamente dependente da China. Se antes dessa guerra era uma parceria entre iguais, hoje a Rússia virou um parceiro júnior... Nesse conflito, a Europa também saiu perdendo muito, perdeu o gás russo, portanto perdeu a competitividade econômica, em especial a Alemanha, e hoje é completamente dependente dos Estados Unidos em termos de segurança", avalia Redzit.
Fala de Trump coloca em cheque papel dos EUA no mundo"A própria China saiu perdendo, porque hoje há uma consolidação dessa Aliança ocidental contra ela promovida com a liderança do presidente Biden. É um cerco tecnológico à China. Fora isso, como a China apoiou e vem apoiando a Rússia desde o começo, essa desconfiança aumentou", aponta. "Os Estados Unidos pareciam ser os únicos que tinham ganho com essa guerra, mas com as últimas falas do ex-presidente Trump, sobre o futuro da Otan, colocou em xeque algo inimaginável que eram os pontos centrais é da política externa dos EUA, que eram inquestionáveis, como a aliança com a Otan. Portanto, o próprio papel dos EUA no mundo está em xeque de agora em diante", diz Redzit, em entrevista à RFI.
Situação de Zelensky em risco daqui para a frenteSe no início da guerra, a aprovação do presidente ucraniano era de 90% entre seus compatriotas, hoje o contexto é outro, segundo o professor de Relações Internacionais da ESPM. "A demissão do chefe militar ucraniano, muito popular entre os soldados e a população ucraniana, abalou essa imagem do Zelensky. É porque até mesmo um dos motivos dessa demissão foi porque ele vinha pedindo que houvesse uma conscrição geral, ou seja, a convocação geral. Portanto, a permanência do próprio Zelensky no poder está em jogo, porque as eleições estariam marcadas para esse ano. Mas devido à realidade na frente de batalha, agora com a Rússia conseguindo retomar territórios devido ao fim da ajuda norte-americana, pode ser que esse quadro mude e que se façam novas eleições, e que ele acabe perdendo", avalia.
Epidemia de nacionalismos é mundial, não só russaPouco antes de invadir a Ucrânia, Putin detalhou num artigo de mais de 15 páginas no site presidencial sua visão, que antecipava o conflito. No texto, ele afirma ignorar a existência da Ucrânia como um país independente, e que russos e ucranianos são "o mesmo povo". Para Redzit, essa retórica revisionista de Putin esconde, na verdade, sua "sede de poder".
"É um nacionalismo que eu diria que não está só no Putin. O próprio questionamento e as ameaças que o presidente chinês Xi Jinping vem fazendo a Taiwan estão na mesma linha. Você também tem esse nacionalismo exacerbado norte-americano no ex-presidente Donald trump. Trata-se de um ponto que questiona todas as instituições internacionais", avisa o especialista. "No fundo esse nacionalismo exacerbado está espalhado em vários países no mundo. Se olharmos aqui para a América do Sul, agora também temos o ditador Maduro também ameaçando anexar território da Guiana. Portanto, não é uma visão única de Putin. Lá é apenas mais exacerbado pelo passado imperialista russo, aquela grandeza que a Rússia já teve, que deixou de ter, e que Putin tenta restabelecer para permanecer no poder e tentar manter a Rússia como uma grande potência", analisa.
Futuro do conflito nas mãos dos EUA"O ponto central agora é a ajuda americana. Se alguns republicanos mais tradicionais e os democratas conseguirem superar o bloqueio que o presidente da Câmara e os deputados, com seus aliados mais radicais, republicanos, estão impondo à ajuda aprovada pelo Senado", diz Redzit.
"Essa guerra vai se prolongar pelo resto desse ano e, possivelmente, por mais outros anos. Agora, se esse pacote de ajuda não for aprovado, infelizmente para os ucranianos, eles vão ter que começar a pensar em negociar. Porque a falta de armamento é tão grande que os russos estão começando a conseguir reverter as perdas que tiveram no ano passado. Então, tudo depende da decisão da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos", diz o professor.