Fim da pandemia e novas armas contra o câncer: veja os assuntos que marcaram a área da saúde em 2023

Fim da pandemia e novas armas contra o câncer: veja os assuntos que marcaram a área da saúde em 2023

RFI Brasil
00:13:10
Link

About this episode

O ano de 2023 foi marcado pelo fim da pandemia de Covid-19. O SARS-CoV-2 não desapareceu e ainda provoca picos de contaminações, mas a vida voltou ao normal após três anos de restrições e graças ao desenvolvimento de vacinas que evitam formas graves e mortes pela Covid-19.

A tecnologia do RNA mensageiro, usada nos imunizantes da Pfizer e da Moderna, que permitiram o controle da doença, recebeu o prêmio Nobel de Medicina em 2023. A cientista húngara Katalin Karikó, de 68 anos dividiu a recompensa com o pesquisador americano Drew Weissman.

Karikó descobriu, em 2005, como impedir o sistema imunológico de desencadear uma reação inflamatória contra o RNA mensageiro fabricado em laboratório. As pesquisas da bioquímica foram a base do desenvolvimento das vacinas contra a Covid-19, que permitiram o controle epidêmico.

Trabalho remoto só traz vantagens?

Em 2023, algumas transfomações sociais geradas pelas medidas adotadas durante a circulação mais ativa do vírus, entre 2020 e 2022, foram incorporadas definitivamente ao cotidiano de milhões de pessoas em todo o mundo. Uma delas é o trabalho remoto, que em alguns países tornou-se comum para algumas categorias da população.

Trabalhar em casa, entretanto, não traz apenas vantagens. Para muitas mulheres, que sofrem de carga doméstica e mental no dia a dia, ele pode ser uma armadilha, alerta a psicóloga francesa Aline Nativel Id Hammou, autora do livro “Burn Out Parental”.

“Em casa, todas as tarefas da vida cotidiana ficam 'gravitando' em torno do computador, enquanto trabalhamos. Podemos, às vezes, nos sobrecarregar. Na hora do almoço, por exemplo, como não estamos na empresa, há a tentação de se ‘obrigar’ a fazer as tarefas domésticas, ou do cotidiano, pelo fato de estar em casa”, alerta.

Ao longo de 2023, o trabalho remoto vem sendo mantido em muitas áreas, mas muitas empresas também estão exigindo o retorno dos seus funcionários para o escritório.

Uso do Ozempic preocupa autoridades

Outro assunto que virou notícia em 2023 é o Ozempic, um medicamento contra o diabetes lançado em 2019, que controla a glicose e ajuda na perda de peso. Por ser eficaz contra o emagrecimento, ele passou a ser usado de maneira deturpada – uma prática que se popularizou e viralizou em vídeos no TikTok. 

Por conta disso, muitas pessoas têm usado o remédio sem indicação médica, explica Rodrigo Lamounier, endocrinologista professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

“Ele melhora a eficiência da ação da insulina nas pessoas que têm diabetes e é muito eficaz em melhorar o controle da glicose”, diz. Além disso, o remédio tem o efeito de gerar saciedade. “Ele causa um retardamento do esvaziamento gastrointestinal, provocando saciedade. E age também no hipotálamo, no centro da fome, provocando inibição da fome, perda de apetite e diminuindo, assim, a ingesta alimentar”, diz, ressaltando que o remédio deve ser usado em casos específicos.

Cresce incidência do câncer do intestino

O aumento da incidência do câncer do intestino, o segundo que mais mata em todo o mundo, também foi destaque durante ano de 2023. Se descoberto no início, o câncer colorretal tem 100% de chances de cura, explicou o gastroenterologista francês Michel Ducreux, do instituto francês Gustave Roussy, um dos maiores centros de combate ao câncer no mundo, situado em Villejuif, nos arredores de Paris.

“O teste imunológico permite a detecção de 80% dos cânceres e dos tumores benignos, que estão se 'modificando', crescendo e que vão provavelmente se transformar em cânceres. Neste caso, podemos, durante a colonoscopia, retirar os pólipos e evitar o câncer. É uma política que pode trazer resultados, mas se houver adesão”, ressalta.

Clones de cânceres podem ajudar pacientes com tumores graves

Em busca de soluções contra cânceres e tumores graves, cientistas do mundo todo trabalham nos laboratórios em estudos que buscam, cada vez mais, individualizar os tratamentos.

No Instituto Gustave Roussy, um grupo de pesquisadores, liderado pela especialista em gastroenterologia, genética e biologia molecular, Fanny Jaulin, fabrica em laboratório cópias biológicas de cânceres a partir das células dos pacientes. O objetivo é lutar contra tumores em fase terminal, propondo tratamentos individualizados.

“Nosso desafio é recriar os tumores dos pacientes com câncer, com foco em novos tratamentos. Nós nos especializamos na criação desses organóides, cultivados em laboratório a partir de uma pequena biópsia, feita com uma simples agulha”.

Brasil abandona uso da AstraZeneca

A RFI também divulgou em primeira mão, neste ano, a notícia de que desde o final de 2022 o Ministério da Saúde recomenda que as vacinas de vetor viral, como a AstraZeneca e a Janssen, não sejam mais aplicadas como reforço contra a Covid-19. 

A recomendação vale a partir da terceira dose, na população com menos de 40 anos. O motivo da decisão é o risco aumentado de trombose, principalmente em mulheres.

Até janeiro de 2002, a vacina já tinha sido usada em cerca de 115,6 milhões de pessoas no país. A notícia foi confirmada pelo infectologista Julio Croda, especialista da Fiocruz, professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e da Faculdade de Saúde Pública de Yale, nos Estados Unidos.

“O Brasil tem, dentro do seu programa nacional de imunização, um sistema de farmacovigilância que é justamente feito para avaliar os eventos adversos associados às diversas vacinas. Através desse monitoramento, foi identificado um aumento de risco, eventualmente, para trombose, principalmente em pessoas jovens, abaixo de 40 anos e mulheres”, explicou o infectologista. “Isso é bastante similar ao que foi identificado em outros países, como no Reino Unido, no caso da vacina da AstraZeneca, e nos Estados Unidos, no caso da vacina da Janssen.”

Os segredos do microbiota

A Ciência está apenas começando a compreender como o microbiota, os micróbios (incluindo bactérias, vírus e fungos) que moram no nosso corpo, principalmente no intestino, atuam nas funções orgânicas. Estudos mostram que eles podem estar envolvidos até mesmo em processos cerebrais e no desenvolvimento da depressão.

A oncologista brasileira Carolina Alves Costa Silva, integra há cinco anos uma equipe do instituto francês Gustave Roussy e estuda o microbiota humano. Em um dos seus projetos, a pesquisadora busca entender a influência sua na resposta aos tratamentos contra o câncer, e, a longo prazo, como pode se tornar um aliado na prevenção da doença. 

“Há evidências de que essas bactérias e outros micro-organismos podem atuar na diminuição da resposta imune e impedir que alguns tipos de tratamento contra o câncer funcionem bem”, disse Carolina em entrevista à RFI.

Vacina freia cânceres da cabeça e do pescoço

Neste ano, nosso programa deu destaque para vacina terapêutica TG4050, da biotech francesa Transgene. O produto é uma nova arma, inédita, na luta contra a recaída de cânceres precoces, e geralmente graves, da cabeça e do pescoço e tem dado bons resultados, como explicou o CEO da empresa, Alessandro Riva, à RFI.

“Fizemos um estudo randomizado de fase 1 e comparamos os pacientes que tinham recebido a nossa vacina individualizada e personalizada com outros que não receberam. Por hora não temos recaídas, e esse follow-up, ou acompanhamento, começa a ser considerável. Os pacientes tratados na fase 1 têm uma resposta imunitária contra as proteínas e mutações que selecionamos, e na qual estão baseadas as vacinas", diz. "É uma reviravolta para a empresa, mas também em relação a tudo que envolve vacinas individualizadas e personalizadas.”

O cérebro fabrica falsas memórias

Outro destaque em 2023 é o avanço dos estudos sobre como cérebro é capaz de criar falsas memórias. Ao longo das últimas décadas, diversas pesquisas científicas comprovaram que nossa mente pode fabricar vivências, incluindo detalhes que nunca existiram. Este foi um dos temas dos nossos programas em 2023. O neurobiologista Pascal Roullet, da Universidade Paul Sabatier, em Toulouse, é um dos maiores especialistas franceses no assunto. 

Em entrevista à RFI, ele explicou como nosso cérebro arquiva e transforma uma memória antes dela ser definitivamente arquivada. "A informação é tratada em termos neurobiológicos. Nos animais, sabemos que esse processo vai demorar entre seis e dez horas, o tempo necessário para que essa memória possa ser armazenada na memória de longo prazo.”

Vírus da Covid-19 contamina o sistema nervoso central

Neste ano de 2023, diversas pesquisas sobre o vírus da Covid-19 tentaram entender seu funcionamento. Uma delas foi feita por uma equipe do Instituto Pasteur e publicada na revista Nature Communications. O médico veterinário brasileiro Guilherme Dias de Melo integra o projeto desde 2020. O objetivo era verificar se o SARS-CoV-2 era capaz de infectar os neurônios e provocar algum problema no cérebro, o que acabou sendo confirmado pela equipe.

“A mensagem principal é: o SARS-CoV-2 é capaz de infectar os neurônios e utilizá-los como uma rota de acesso ao sistema nervoso central. E a manifestação clínica na fase aguda não necessariamente vai influenciar uma manifestação clínica na fase longa.”