Cientistas franceses criam nova molécula para tratar depressão grave
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A depressão atinge até 5% das pessoas em todo o mundo e se tornou uma epidemia global. Esse número tende a crescer nos próximos 20 anos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O número de casos explodiu após a pandemia de Covid-19, por conta das restrições sociais, mas também dos efeitos provocados pelo vírus no cérebro.
Taíssa Stivanin, da RFI
Hoje os antidepressivos que existem no mercado contra a depressão são ineficazes em cerca de 40% dos pacientes. Mas, uma nova alternativa terapêutica traz esperança para casos mais graves e resistentes aos medicamentos atuais.
A descoberta que pode revolucionar o tratamento da doença foi feita pela equipe da neurobiologista francesa Jocelyne Caboche, diretora de pesquisa do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Cientifica), do Inserm (Instituto de Pesquisas Médicas da França) e da universidade francesa Sorbonne.
Em suas pesquisas, ela estudou uma proteína, a Elk-1, encontrada dentro dos neurônios, que age contra a depressão. Isso possibilitou a criação de uma molécula sintética que combate a doença e será a base de um futuro medicamento.
Graças a essa invenção, a pesquisadora francesa recebeu, em novembro de 2023, o prêmio Marcel Dassault de inovação em psiquiatria, um dos mais importantes da área na França.
Os resultados ao longo de 14 anos de estudos mostraram que o aumento da Elk-1 no sangue pode contribuir para o aparecimento da depressão. Essa proteína também pode influenciar o gene envolvido no desenvolvimento da doença e, quando ela diminui dentro dos neurônios, tem um efeito antidepressivo. É daí que vem seu potencial terapêutico.
“A molécula foi desenhada, inventada e patenteada para agir contra a depressão e seus efeitos a longo prazo nas reorganizações neuronais internas, que ocorrem em regiões muito específicas do cérebro: os circuitos da recompensa e do humor”, explicou Jocelyne Caboche à RFI durante a entrevista em seu laboratório Paris Seine, situado no 5º distrito da capital.
O produto hoje integra um dos projetos da startup Melkin Pharmaceuticals, criada pela neurobiologista francesa, que permitirá obter investimentos para viabilizar os testes clínicos e a futura produção de um medicamento contra a doença, que deverá ser administrado com uma injeção.
A ideia é que pacientes com depressão grave, resistentes aos antidepressivos disponíveis, possam se beneficiar da nova terapia nos hospitais. A vantagem é que a molécula parece agir imediatamente e não provoca efeitos colaterais, diz Jocelyne Caboche, contrariamente aos medicamentos atuais, que demoram entre quatro e seis semanas para surtir efeito e provocam vários sintomas.
“O caminho é longo entre uma descoberta fundamental e a clínica médica. O prêmio Dassault ajudará a alavancar e melhorar nosso produto, o que nos permitirá propor um medicamento. Para isso, é importante fazer novos testes, pré-clinicos e regulamentados, sobre a toxicidade dos componentes. Mas antes, devemos submetê-lo à regulamentação necessária, que nos permitirá fazer os testes em humanos", frisa a cientista francesa.
"Estamos trabalhando, para que isso se torne possível nos próximos dez anos. Este é um mercado importante não somente do ponto de vista sanitário, mas também socioeconômico. A Organização Mundial da Saúde já antecipou que, em 2030, a depressão será a primeira causa mundial de invalidez socioeconômica e sanitária", completa.
Doença altera funcionamento dos neurôniosA depressão, como muitas outras doenças, é resultado de uma expressão genética. Mas o que isso significa?
O termo designa o conjunto dos processos bioquímicos que decodificam as informações hereditárias, ou seja, herdadas dos nossos pais, estocadas em um gene. Isso resultará na fabricação de moléculas que terão um papel ativo no funcionamento celular.
Quem transporta todas essas informações é o RNA mensageiro. Depois de sintetizadas pelo organismo, elas vão se transformar em sequências de proteínas com funções específicas.
A proteína Elk-1, que age dentro dos neurônios, e no núcleo das células neuronais, pode desta forma regular a longo prazo a expressão dos genes envolvidos no processo depressivo. Em cerca de 50% dos casos de depressão o genoma será modificado, o que também mudará a composição do DNA
Hoje, os microscópios e outras máquinas potentes usadas nos laboratórios são capazes de medir vários parâmetros bioquímicos, inclusive aqueles que serão modificados pela depressão dentro da célula neuronal.
Foi durante as pesquisas com os camundongos que Jocelyne Caboche percebeu que era essencial entender o que acontecia dentro das células neuronais para detalhar o processo neurobiológico da depressão.
Mas, para isso, era necessário não se ater apenas ao papel dos chamados neuromoduladores, como a serotonina e noradrenalina, durante as sinapses – o impulso nervoso que faz com que os neurônios comuniquem entre si.
“Nos modelos animais, com roedores, temos a possibilidade de ‘imitar’ muitos dos sintomas da depressão no homem. Podemos medir o comportamento deles, como a anedonia. Esse é o termo que designa a tristeza e a perda de prazer ou motivação, depois de um estresse crônico, como, por exemplo, após o contato com um outro animal mais agressivo”, explica.
“Em seguida, estudamos no cérebro dos camundongos estressados a morfologia dos neurônios e a plasticidade sináptica, ou seja, a resposta aos estímulos elétricos e aos de transmissores”, completa.
Fatores ambientaisAs pesquisas iniciadas em 2010 pela equipe de Jocelyne Caboche também envolveram a análise de amostras dos tecidos dos cérebros de pessoas que morerram com depressão grave, cedidos pelas famílias, que foram comparados aos de pacientes sem a doença. Elas mostraram que eles tinham menos a proteína Elk-1 nos neurônios.
A equipe também analisou a presença da molécula no sangue de pacientes que sofrem da doença. Os cientistas então constataram que aqueles que não melhoravam com os antidepressivos tinham uma taxa maior da proteína na corrente sanguínea.
“Na nossa equipe de pesquisa trabalhamos com todas as bases fundamentais, celulares e moleculares das doenças psiquiátricas. Ou seja, tudo o que acontece dentro do cérebro depois que os pacientes têm a doença", acrescenta a pesquisadora.
Os fatores ambientais também são determinantes no aparecimento da doença, lembra neurobiologista. “Sabemos que o estresse e o meio-ambiente podem produzir no núcleo da célula neuronal uma modificação na maneira como esse genoma vai se ‘expressar’. Trabalhamos com essa capacidade da célula de responder a esse estresse”, explica.