Produção brasileira aposta em modelo transnacional para expandir mercado e atrair latinos
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Uma só América unida pelas similaridades e diferenças. O diretor José Eduardo Belmonte expandiu as fronteiras do Brasil em um projeto que combina estratégias de parcerias e ambições artísticas para falar de temas comuns entre cidadãos de qualquer parte do nosso enorme e tão misto continente. Em breve, deve chegar às telas "Quase Deserto", filme dirigido por ele, rodado em um modelo transnacional com equipe e elenco que falam português, espanhol e inglês.
Cleide Klock, correspondente da RFI em Los Angeles
Durante dois meses o grupo esteve em Detroit, nos Estados Unidos, para rodar essa história que fala sobre imigração e ser estrangeiro. São latinos unidos no sonho norte-americano, no cotidiano e nos conflitos, vendo seus países e compartilhando suas culturas de longe.
"Eu achei um local que tinha uma metáfora muito grande sobre as crises que a gente está vivendo, sobre recomeço também, com uma cidade de muitos recomeços. Ser imigrante de alguma forma é recomeçar. O filme começa com um dilema ético, são dois imigrantes em situações diferentes, um realmente em uma situação muito crítica e outro não. Depois de um jogo de Brasil e Argentina, que é uma coisa muito comum entre latinos que vão ver os jogos das eliminatórias juntos, eles saem e tem uma dessas blitz que às vezes tem na saída dos bares. Na fuga, acabam ficando de frente para um assassinato e ficam nesse dilema ético, porque viram um crime mas não podem ir para a polícia, mas também não podem ficar omissos. Para mim era muito importante que fosse um projeto transnacional", conta o cineasta.
O filme traz um elenco com protagonistas e coadjuvantes de diversos países como a armênio-americana Angela Sarafyan ('Westworld'), o uruguaio radicado na Argentina Daniel Hendler ('Abrazo Partido') e os brasileiros Vinicius de Oliveira, Thaís Gulin, Virginia Lombardo e Alessandra Negrini.
O diretor acredita que o Brasil esteve sempre muito de costas para a América Latina com, ainda hoje, pouquíssimas coproduções com os vizinhos em filmes que falam sobre a relação dos brasileiros com seus hermanos.
"A gente resolveu partir um pouco disso, dos pontos que a gente tem em comum no território estrangeiro. A ideia era falar da América Latina e a relação com a América. Acho que a gente parou de falar sobre o Brasil nos filmes, a gente fala muito sobre os indivíduos e sobre a sociedade. Quando você é estrangeiro inevitavelmente sempre pensa mais no seu país do que quando você estava nele. Comecei a pensar em filmes nesse sentido, colocando o Brasil fora do Brasil para falar sobre ele e para poder falar dele nas relações com o mundo", diz José Eduardo Belmonte.
Modelo de negócio transnacional
Apesar de ter sido rodado nos EUA, o projeto tem propriedade intelectual brasileira com uma trama que coloca o Brasil no protagonismo, se relacionando com temas de interesse comum a estrangeiros. Para o produtor Rodrigo Sarti Werthein esse fator está à frente deste modelo transnacional defendido por eles. A intenção, além de expandir as fronteiras e dialogar com os vizinhos artisticamente, traz estratégias de negócios sustentáveis.
"Esse modelo transnacional da gente ir para lá (EUA) tem muito a ver com essa escolha da própria equipe também, do elenco e essa coisa plural. Está no DNA do projeto, do roteiro, na ideia do desenho de produção que a gente fez junto, da lógica de orçamento, de montar a equipe, de levar para lá essa equipe reduzida e montar. Mesmo estando lá, não é uma equipe 100% americana de Detroit. A gente está contando essa história, vendo o Brasil de Detroit através desses vários olhos. Isso foi muito interessante", explica Rodrigo Sarti Werthein.
Belmonte e Sarti estão desenvolvendo outros dois filmes neste mesmo modelo de internacionalização, um de terror nos Estados Unidos e outro, no México, sobre a travessia da fronteira, com enredos que sempre justificam essa composição de equipe plural. As produções visam o mercado latino nos Estados Unidos, grande consumidor de audiovisual, mas ainda pouco representado.
De acordo com o diretor, esse tipo de filme "é rico em vários sentidos, humanamente, profissionalmente e também como negócio. Você expande, você trabalha com talentos de vários países e com temas que são comuns. Parece ambicioso, mas é muito prático pois são processos que a gente vai conseguindo compor com muitas pessoas".
"A questão da parceria internacional é que todo valor agregado que você tem, as experiências de produtor, de como fazer, quais são os contatos, se multiplica exponencialmente", comenta.
"Primeiro porque você traz seus coprodutores e depois você traz outros idiomas, isso amplifica muitíssimo o mercado e as capacidades de produção inclusive. Porque você consegue diferenciar a necessidade de investimento em diferentes territórios, ou seja, um investimento americano vai ser feito nos Estados Unidos para certas coisas, investimento brasileiro vai ser feito no Brasil para outras. Você começa a parar de enviar dinheiro para um lugar e para o outro, que é algo complicadíssimo no mundo de hoje", conclui o produtor.